Quase dois anos depois de, no blog Delito de Opinião, ter evocado e elogiado «Os Maias», Pedro Correia, no mesmo (ciber)espaço, analisou mais uma obra de José Maria Eça de Queiroz: «A Cidade e as Serras»…
… Que para aquele jornalista «é um romance construído em perfeita simetria: a metade inicial decorre em França, a segunda em Portugal com breve regresso do narrador a Paris quase no fim, sendo as duas partes intervaladas por uma divertida intromissão em terras espanholas, na mais famosa viagem de comboio da nossa literatura. Que culminará na entrada de Jacinto no país dos seus ancestrais, cruzando a fronteira em Trás-os-Montes. (…) É um Eça antigo e um Eça novo que aqui encontramos em simultâneo. O primeiro, na deliciosa descrição da parasitária fauna social parisiense, que tanto inspirava a lisboeta. Juntam-se ao jantar na sumptuosa residência de Jacinto, situada no n.º 202 dos Campos Elísios, desfilando no magnífico capítulo IV do livro. (…) O segundo Eça, inesperado, é um escritor rendido ao singelo encanto do Portugal profundo, por antonomásia figurado nas Serras do título. O romancista já não sente fervor iconoclasta e anseia pelo retorno aos bens mais simples. Este contraste torna-se evidente em dois repastos: o sofisticado jantar dos Campos Elísios, tendo como convidado de honra o Grão-Duque Casimiro, e a ceia rústica improvisada em Tormes, com a mesa iluminada por “duas velas de sebo em castiçais de lata”: caldo de galinha com fígado e moela, arroz de favas, frango assado no espeto com salada recém-colhida da horta. Duas das mais célebres refeições da literatura portuguesa.»
Prova indesmentível, inquestionável, da importância fulcral de «A Cidade e as Serras» na vida, na obra, no legado, no mito de Eça de Queiroz é a de que este romance, que constitui um (grande) desenvolvimento do conto «Civilização», ter também sido inspirado pela visita a um local que, cerca de um século mais tarde, se tornaria a sede da fundação com o seu nome, a sua perene casa em Portugal: a verídica, factual (quinta de) Tormes, a (não tanto) fictícia «Torges» na sua primeira aparição. E a breve distância, no cemitério de Santa Cruz do Douro, em Baião, está o autor em jazigo de família sepultado, como que numa conclusão da corporização do contraste entre o citadino e o campestre.