De entre os muitos contemporâneos ilustres de
José Maria de Eça de Queiroz um há que se destaca com particular nitidez: José
Valentim Fialho de Almeida. Entre o diplomata nascido na Póvoa do Varzim e o
médico nascido em Vila de Frades havia uma diferença de 12 anos, e o segundo
sentia pelo primeiro uma genuína admiração que, pouco a pouco, se foi
esbatendo. Tanto que Eça se sentiu compelido a escrever a Fialho uma carta
manifestando a sua surpresa pela crítica negativa que o autor de «O País das
Uvas» fez de «Os Maias». A missiva, enviada de Bristol, na Inglaterra, tem data
de 8 de Agosto de 1888, e pode ser lida na totalidade, por exemplo, n(as
páginas 224 a 226 d)o livro «Fialho de Almeida, Cem Anos Depois», organizado por António Cândido Franco e editado em
2011 para assinalar o primeiro centenário da morte do insigne alentejano. Eis
um (longo) excerto:
«Eu, com efeito, represento para você Satanás,
o pai de toda falsidade. Eu sou aquele Mafarrico que escolhe para personagens
do seu livro não sei que janotas petulantes e estrangeirados, em vez de dar,
nessas páginas, o lugar preeminente ao Marquês da Foz, aos empreiteiros das
obras do porto de Lisboa, aos rapazes beneméritos que foram premiados na
escola, aos construtores do bairro da Estefânia, ao Conselho de Estado, etc.,
etc. Eu sou aquele porco-sujo que pretende que as mulheres de Lisboa têm amantes
e que, nos jantares de sociedade, em vez de discutirem Hegel, o Positivismo e a
psicologia das religiões, falam de criadas e de cabeleireiras! Eu sou aquele
génio de maledicência, que afirma que os esplendores da Avenida são talvez
inferiores aos da Via-Ápia, e que a sociedade que a frequenta não é talvez nem
a mais culta nem a mais original do Universo, etc., etc., por aí além. Por
outro lado a sua crónica, meu caro Fialho, é uma bela pia de mármore, cheia a
transbordar da água benta da virtude, do patriotismo, e da fé em Lisboa como
capital da civilização. E portanto o que você fez, com a sua costumada
veemência, foi plonger le diable dans un bénitier. Daí os berros e os coices. Coices e berros, sobretudo de espanto. Porque
enfim, eu tudo podia esperar do seu espírito, tão impressionável e ardente,
menos essa atitude de pudicícia ofendida e de magoado patriotismo. O que era
com efeito de esperar, dada a sua índole e os seus escritos, era que você
criticasse o livreco, sob o ponto de vista do próprio livreco; e que, como
legionário da mesma legião, ocupado também neste belo trabalho da literatura
contemporânea que consiste em fazer o inquérito experimental das sociedades, me
censurasse só por os meus golpes não serem bem destros, nem bem certeiros, nem
bem úteis, nem bem claros, nem bem eficazes. Mas vê-lo de repente surgir no
campo inimigo com uma sobrecasaca séria de conselheiro de Estado, gritando “Em
Lisboa não se deve tocar! Tudo aqui é puro, belo, e grande! Vergonha ao
maldizente que ouse rir da cidade incomparável, perfectissima urbs!”, eis o que
verdadeiramente me assombrou. Porquê tão singular mudança?»
Ambos morreram relativamente jovens – Eça em
1900 com quase 55 anos, Fialho em 1911 com quase 54 – mas ambos asseguraram –
mais o primeiro do que o segundo, sem dúvida – uma merecida notoriedade
póstuma. Ambos têm hoje instituições com o seu nome, e em 2019 apresentei, enquanto
membro do Conselho Consultivo do Movimento Internacional Lusófono, a proposta de criação da Rede de Casas de Escritores de Língua Portuguesa, a ser iniciada
se possível e de preferência pelo Museu Literário Casa Fialho de Almeida, e que
a Fundação Eça de Queiroz, obviamente, deverá integrar.
Em meu nome pessoal e na minha qualidade de Presidente da Direcção da Associação Cultural Fialho de Almeida congratulo-me por esta publicação e pelos interesses manifestados: - Fialho de Almeida, a interligação Fialho e Eça, a proposta de criação da Rede de Escritores de Língua Portuguesa.
ResponderEliminarA Associação acolheu com interesse esta proposta, mas não lhe cabe iniciar e/ou desenvolver o processo, ainda que esteja disponível para se envolver no mesmo, se tal lhe for solicitado.
Francisca Bicho