A Sala de Convívio do Lote 398, na prática uma associação de condóminos daquele edificio nos Olivais fundada em 1976, tem desenvolvido desde então uma regular e meritória actividade cultural com a qual o Movimento Internacional Lusófono já colaborou. Também envia com frequência mensagens aos seus associados e amigos, e a mais recente, com data de 26 de Maio último, tem como tema Eça de Queiroz e o humor; mais concretamente, evoca um texto do grande escritor intitulado «A decadência do riso», escrito em 1891 e originalmente incluído em «Notas Contemporâneas», mas desta vez referenciado tal como aparece em «Crónicas e Cartas de Eça de Queiroz», uma edição da Verbo organizada por João Bigotte Chorão.
Assim
reza a missiva, assinada por Fernando Murta Rebelo e Ana Cristina Henriques, da
Direcção da Sala de Convívio do Lote 398… «(…) O culto de um humor sábio – que apela à esperança como
força anímica – ajudará a fortalecer o espírito neste período de escassa
convivência física e social. Merece ponderação o seguinte texto do cronista Eça
de Queiroz: “A palavra ‘espírito’ tem sido amesquinhada; fazem-no significar as
saídas picantes da conversação engraçada, o ‘bom mot’, o ‘lazzi’, a chalaça.
Mas ele é uma mais alta entidade: é a crítica pelo riso; é o raciocínio pela
ironia.” Como sabemos, a obra literária de Eça, como talentoso crítico dos
costumes, é reconhecida quase toda, senão toda, como uma prodigiosa obra de
espírito que merece ser recordada. O sedutor estilo queirosiano com a sua graça
e a sua ironia convida à releitura de algumas das suas obras de fino humor que
nos ajudará a recuperar “o dom augusto de rir”. (…)»
Na segunda folha da carta pode ler-se um excerto
maior de «A decadência do riso», do qual se destaca: «Nós, com efeito, filhos
deste século sério, perdemos o dom divino do riso. Já ninguém ri! Quase que já
ninguém mesmo sorri, porque o que resta do antigo sorriso, fino e vivo, tão
celebrado pelos poetas do século XVIII, ou ainda do sorriso lânguido e húmido
que encantou o romantismo; é apenas um desfranzir lento e regelado de lábios,
que, pelo esforço com que se desfranzem, parecem mortos ou de ferro. Eu ainda
me recordo de ter ouvido, na minha infância e na minha terra, a gargalhada,
genuína, livre, franca, ressoante, cristalina!.. Vinha da alma, abalava todas
as vidraças de uma casa, e só pelo seu toque puro, como o de ouro puro, provava
a força, a saúde, a paz, a simplicidade, a liberdade! (…) Qunto mais uma sociedade
é culta mais a sua face é triste. Foi a enorme civilização que nós criámos
nestes derradeiros oitenta anos, a civilização material, a política, a
económica, a social, a literária, a artística, que matou o nosso riso (…). Queres
um humilde conselho? Abandona o teu laboratório, reentra na Natureza, não te
compliques com tantas máquinas, não te subtilizes em tantas análises, vive uma
boa vida de pai próvido que amanha a terra, e reconquistarás, com saúde e com a
liberdade, o dom augusto de rir.» O apelo a que se abandone o laboratório e que
se reentre na Natureza será, não muito tempo depois, retomado e desenvolvido em «A Cidade e as Serras».
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