É exactamente de hoje a um mês que se inicia – e termina no dia 22 de Julho – o XXIII Curso Internacional de Verão – ou Seminário Internacional Queirosiano – organizado pela Fundação Eça de Queiroz. Com o tema, e o título, «A comida e o vinho na obra de Eça e no panorama oitocentista europeu», esta iniciativa «destina-se a todos os interessados na obra queirosiana e na área cultura-literatura-media, nomeadamente a professores (sobretudo ensino secundário), estudantes universitários nacionais e internacionais (graduação e pós-graduação), estudiosos e pesquisadores nas áreas de Ciências de Comunicação, Estudos Culturais e Literários, Turismo Literário.»
Não é necessário explicar – pelo menos a um leitor
de Eça de Queiroz, mesmo que apenas casual, não inveterado – a importância que a
alimentação, tanto sólida como líquida, tem na obra do escritor. «A escolha de
colocar nas mesas de seus personagens os pratos e os vinhos mais ilustres da
culinária lusitana caracteriza Eça», «os usos e as preferências alimentares
caracterizam as personagens queirosianas». «Os sacerdotes de “O Crime
do Padre Amaro” gozam duma mesa farta enquanto os pobres de Leiria passam
fome, numa contraposição que chama à memória a injustiça representada por Zola,
em “Germinal”, nas iguarias comidas pelos donos da mina e na escassez das
mesas dos obreiros.» «A sensual Leopoldina, ainda em “O Primo Basílio”,
não sabe resistir ao bacalhau de alhada que o álgido marido lhe nega; nesta
perspectiva, ela lembra muito de perto a flaubertiana Emma Bovary, que cobiça o
alho, os gelados, as compotas, os xaropes e os licores doces.» «O ingênuo
Cruges, em “Os Maias”, constrange-se por ter esquecido as queijadas de
Sintra para a pedante mãe; o estrangeirado Fradique Mendes lamenta ironicamente
o assado de espeto, já desaparecido das casas portuguesas como as demais velhas
tradições, enquanto o infido Teodorico saboreia, às sextas-feiras, o bacalhau
da prostituta que frequenta após ter aparentado, com a velha tia, ter comido
apenas pão com água. O bacalhau, de resto, é a presença constante na mesa da
casa da Misericórdia, em “O Crime do Padre Amaro”, e dos convívios da alta
sociedade lisboeta em “Os Maias”, enquanto outra iguaria típica, o arroz,
nas suas diversas formas de favas, de forno e doce, marcam a contraposição
entre o luxo sem sabor de Paris e a simplicidade genuína portuguesa em “A
Cidade e as Serras”.» «Em Eça a culinária é descrita com maior cuidado em
comparação com outros realistas e naturalistas europeus, e com um elemento
adicional: o uso literário dos produtos típicos da gastronomia portuguesa.» «O
clero ganancioso, a burguesia das intrigas amorosas, a aristocracia antiga e
intolerante, a antiquada intelectualidade tardiamente romântica que ele
pretende derrotar, são “pratos típicos nacionais” tanto quanto o bacalhau, o
arroz doce, os ovos com chouriço, o arroz de forno; tudo isto, acompanhado por
um vinho verde ou uma “lágrima” de vinho do Porto, amarga e adocica ao mesmo
tempo, como o estilo do autor.»
A coordenação científica
deste seminário internacional queirosiano, que terá como professoras convidadas
Maria Serena Felici, Giorgio de Marchis e Mariagrazia Russo, será da
responsabilidade de Orlando Grossegesse.
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